O dilema do cuidado negado ao cuidador: uma reflexão sobre como as condições de trabalho dos profissionais da saúde podem agravar esse adoecimento.

Por Equipe Sameca

Antes de tudo, devemos ressaltar que esta reflexão tem como objetivo abordar o sofrimento e o esgotamento mental de profissionais da área da saúde, mais especificamente profissionais da saúde mental, e suas possíveis causas.

Em nenhum momento buscamos relacionar esses índices de sofrimento diretamente aos pacientes, muito pelo contrário. Queremos propor uma reflexão sobre como as condições de trabalho desses profissionais podem agravar esse adoecimento.  

Em 2023, uma pesquisa brasileira intitulada Trabalho e riscos de adoecimento na Atenção Psicossocial Territorial, que buscava avaliar as condições de trabalho em seis Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, apontou a relação direta entre a insuficiência de insumos e de recursos humanos para a instituição e o aumento do adoecimento dos trabalhadores da saúde mental. 

Um pouco antes, em 2022, um artigo publicado no Journal of Traumatic Stress entrevistou cerca de 400 terapeutas e acompanhantes terapêuticos que atendem pacientes com neurodivergências graves. A pesquisa revelou que esses profissionais têm 30% mais risco de burnout em comparação a profissionais de outras áreas.  

Um estudo intitulado Demandas institucionais e falta de recursos, de 2021, indicou que a falta de recursos em instituições públicas (como os CAPS) força os profissionais a trabalharem além de sua capacidade, gerando sentimentos de impotência e culpa.  

O cenário não é diferente no setor privado. Um estudo qualitativo, realizado em 2023, lista alguns fatores que contribuem para o grave adoecimento mental de acompanhantes terapêuticos em clínicas particulares:

1. Precarização dos vínculos trabalhistas e condições de trabalho

Na maior parte dos casos, os contratos ocorrem por prestação de serviço como profissional autônomo, resultando em perda de direitos, como as férias remuneradas, além de perdas salariais e de benefícios, como planos de saúde e auxílio transporte. Além disso, os profissionais relatam jornadas extensas, assédio, coerção e falta de confiança nas instituições.

Os relatos também destacam espaços físicos inadequados, sem janelas ou ventilação apropriada, mobiliário insuficiente e falta de materiais básicos para atendimento de qualidade.

2. A “farsa” nos atendimentos

Terapeutas denunciam que pais e cuidadores, muitas vezes, desconhecem como as terapias são realizadas. Muitas clínicas vendem serviços e técnicas específicas, realizadas com profissionais especializados, mas delegam a prática a estagiários ou pessoas sem formação adequada.

No mesmo artigo, as autoras discutem como a lógica de “tempo é dinheiro” nessa nova “indústria” aumenta a pressão por produtividade, com metas irreais e ritmos acelerados, precarizando ainda mais a saúde dos trabalhadores.

A cultura tóxica que romantiza o sacrifício dos profissionais de saúde mental resulta na negligência de suas necessidades básicas, como descanso e apoio institucional.

Profissionais que dedicam suas vidas a cuidar da saúde mental de outros estão adoecendo em silêncio. Seja pela precarização no setor privado, pela falta de recursos no público ou pela cultura tóxica que ignora suas necessidades. É preciso uma transformação estrutural que priorize o bem-estar de quem cuida.

Valorizar esses trabalhadores não é apenas uma questão de justiça social, mas um passo essencial para garantir que o cuidado em saúde mental seja, de fato, acolhedor e digno para todos.

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Referências:

AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION (APA). Stress in America 2022: Mental Health of Healthcare Workers. Washington, DC: APA, 2022. Disponível em: https://www.apa.org/news/press/releases/stress. Acesso em: 04 fev. 2025.

Kounenou K, Kalamatianos A, Nikoltsiou P, Kourmousi N. The Interplay among Empathy, Vicarious Trauma, and Burnout in Greek Mental Health Practitioners. Int J Environ Res Public Health. 2023 Feb 16;20(4):3503. doi: 10.3390/ijerph20043503. PMID: 36834198; PMCID: PMC9961382. https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9961382/#:~:text=Therapists%20who%20experience%20vicarious%20trauma,on%20their%20own%20%5B17%5D.

LIMA, I. C. S.; SAMPAIO, J. J. C.; FERREIRA JÚNIOR, A. R.. Trabalho e riscos de adoecimento na Atenção Psicossocial Territorial: implicações para a gestão do cuidado em saúde mental. Saúde em Debate, v. 47, n. 139, p. 878–892, out. 2023.

Organização Mundial da Saúde (OMS). Mental health at work. Geneva: WHO, 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-at-work. Acesso em: 04 fev. 2025.

Ricci, T. E., Fernandes, A. D. S. A., Cestari, L. M. Q., Marcolino, T. Q., & Souza, M. B. C. A. de. (2023). Terapeutas cansadas: da precariedade do trabalho à precariedade da assistência na indústria do autismo. In SciELO Preprints. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.6634

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